Nos últimos anos, a resistência a medicamentos tem se tornado uma preocupação crescente no campo da saúde pública. A resistência a antibióticos tem dominado as discussões, mas uma nova ameaça tem ganhado atenção: as infecções de fungos resistentes.
A ameaça crescente dos fungos resistentes
Infecções de fungos resistentes têm se espalhado rapidamente, afetando indivíduos com sistemas imunológicos comprometidos, como pacientes com câncer, transplantados ou portadores de HIV. Em um recente estudo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM), foi discutido como fungos resistentes podem causar sérias complicações, incluindo micoses extensas, que podem ser difíceis de tratar e que colocam a vida dos pacientes em risco.
Entre os fungos mais preocupantes, o Candida auris se destaca como um verdadeiro desafio para os profissionais de saúde. Desde sua descoberta em 2009, ele tem causado infecções graves, como a candidemia — uma infecção no sangue que pode evoluir para septicemia e falência de órgãos. O grande problema é que esse fungo se mostra altamente resistente a diversos antifúngicos, o que reduz significativamente as opções terapêuticas e complica o tratamento.
O papel do uso excessivo de antifúngicos na resistência
Diversos especialistas apontam que o uso indiscriminado de antifúngicos tem acelerado o surgimento de cepas resistentes. Esse uso exagerado ocorre não apenas em ambientes hospitalares, mas também na medicina veterinária e na agricultura. Como consequência, a seleção de fungos resistentes se intensifica, comprometendo a eficácia dos tratamentos convencionais. Além disso, a resistência antifúngica está diretamente ligada ao aumento da mortalidade, à falha terapêutica e à necessidade de tratamentos mais caros e agressivos.
O primeiro caso de fungos resistentes no Brasil

O primeiro caso de fungos resistentes no Brasil foi identificado em 2023 e publicado na revista Anais Brasileiros de Dermatologia. Trata-se do fungo Trichophyton indotineae que causa micose difícil de tratar, com lesões extensas e pruriginosas (coceira). Esse fungo é resistente ao tratamento convencional com terbinafina, o medicamento padrão para esse tipo de infecção. O paciente havia retornado de uma viagem a Londres e, apesar de passar meses em tratamento com diferentes medicamentos, continuava enfrentando infecções recorrentes. Somente após a realização de uma análise genética do fungo, os médicos conseguiram identificar corretamente o agente causador, o que se mostrou essencial para definir o tratamento adequado. Esse caso, registrado em São Paulo, reforça a importância de identificar com precisão o fungo envolvido. Afinal, infecções semelhantes podem acabar sendo subnotificadas, principalmente devido à dificuldade no diagnóstico.
Esse primeiro caso no Brasil é um alerta para a fragilidade do sistema de saúde em lidar com infecções fúngicas resistentes, que são mais difíceis de diagnosticar e tratar do que as infecções bacterianas. A falta de antimicóticos eficazes e a demora no diagnóstico adequado podem resultar em complicações graves, prolongando a hospitalização e elevando o risco de morte.
Desafios no diagnóstico e tratamento
Um dos maiores desafios na luta contra as infecções fúngicas resistentes envolve a falta de conhecimento e de tecnologias adequadas para realizar um diagnóstico precoce. Muitas vezes, as infecções fúngicas passam despercebidas, especialmente em pacientes imunocomprometidos, porque os sintomas costumam ser confundidos com outras condições. Além disso, o uso inadequado de antifúngicos contribui diretamente para agravar a resistência. Somado a isso, a ausência de tratamentos alternativos eficazes piora ainda mais esse cenário preocupante.
A escassez de novos antifúngicos no mercado representa uma preocupação crescente para a saúde pública. Embora a indústria farmacêutica tenha desenvolvido medicamentos eficazes ao longo dos anos, ela tem lançado pouquíssimos antifúngicos novos. Isso ocorre, em grande parte, devido ao alto custo e ao longo tempo necessário para testar e aprovar novos compostos. Como resultado, médicos e pacientes acabam enfrentando opções limitadas para tratar infecções fúngicas resistentes.
Medidas para enfrentar a resistência antifúngica
Para combater as infecções fúngicas resistentes, é fundamental adotar estratégias que envolvam tanto a prevenção quanto o tratamento eficaz. Isso inclui:
- Melhorar o diagnóstico: Investir em tecnologias para identificar rapidamente os fungos causadores das infecções e suas resistências aos tratamentos.
- Uso responsável de antifúngicos: Garantir que os medicamentos sejam utilizados de forma mais criteriosa e evitar o uso indiscriminado, tanto no âmbito hospitalar quanto na agricultura e medicina veterinária.
- Pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos: Estimular a indústria farmacêutica e as instituições de pesquisa a investirem no desenvolvimento de novos antifúngicos, que sejam eficazes contra as cepas resistentes.
- Treinamento e educação: Capacitar profissionais de saúde sobre os riscos das infecções fúngicas e como prevenir a resistência, além de educar o público sobre a importância do uso responsável de medicamentos.
- Monitoramento e vigilância: Implementar programas nacionais de vigilância para rastrear a disseminação de fungos resistentes e intervir de forma eficaz.
As infecções fúngicas resistentes representam uma ameaça crescente à saúde pública global. Além disso, com o aumento dos casos de fungos resistentes, como o Candida auris, e a identificação do primeiro caso de micose extensa no Brasil, torna-se evidente a necessidade de ação conjunta. Dessa forma, é essencial que a comunidade médica, os governos e também a população se unam para enfrentar esse desafio de maneira eficaz.
Por isso, somente com medidas integradas de prevenção, diagnóstico e, sobretudo, tratamento adequado, será possível reduzir o impacto dessas infecções graves. Consequentemente, estaremos mais preparados para proteger a saúde de indivíduos vulneráveis e conter a disseminação desses microrganismos perigosos.
A resistência antifúngica é um problema global que exige ação urgente para que o controle de infecções fúngicas não se torne uma tarefa impossível no futuro.